sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Coronelismo, democracia, cidadania e participação social

Por: Lucival Santos

O presente texto tem com objetivo responder as seguintes questões: quais os conceitos de coronelismo, democracia e cidadania? qual o contexto histórico de construção do coronelismo? quais foram os mecanismos utilizados para a manutenção da maioria da população longe do palco político e das grandes decisões? quais elementos contribuiram para o crescimento da participação social?
Dentro da perspectiva histórica, para compreender o conceito de coronelismo, é preciso voltar ao tempo e analisar o contexto em que surge, bem como os elementos que favoreceram a sua ascensão. Neste sentido, a construção de uma sociedade vinculada com bases na produção agrícola latifundiária, desde os tempos da Colônia, poderia contar como um dos fatos históricos responsáveis pelo aparecimento do chamado “coronel”. No período Regencial, a incidência de levantes e revoltas contra a nova ordem política instituída concedeu uma ampliação de poderes nas mãos dos proprietários de terra. Assim o conceito primário que se tem de Coronelismo é uma experiência típica dos primeiros anos da república brasileira, processo de longa duração que envolve aspectos culturais, econômicos, políticos e sociais do Brasil.
Na visão de Leal, o coronelismo surge na confluência de um fato político com uma conjuntura econômica. O fato político é o federalismo implantado pela República em substituição ao centralismo imperial. O federalismo criou um novo ator político com amplos poderes, o governador de estado. O antigo presidente de Província, durante o Império, era um homem de confiança do Ministério, não tinha poder próprio, podia a qualquer momento ser removido, não tinha condições de construir suas bases de poder na Província à qual era, muitas vezes, alheio. No máximo, podia preparar sua própria eleição para deputado ou para senador.
A conjuntura econômica, segundo Leal, era a decadência econômica dos fazendeiros. Esta decadência acarretava enfraquecimento do poder político dos coronéis em face de seus dependentes e rivais. A manutenção desse poder passava, então, a exigir a presença do Estado, que expandia sua influência na proporção em que diminuía a dos donos de terra. O coronelismo era fruto de alteração na relação de forças entre os proprietários rurais e o governo e significava o fortalecimento do poder do Estado antes que o predomínio do coronel. O momento histórico em que se deu essa transformação foi a Primeira República, que durou de 1889 até 1930. Para José Murilo:
o coronelismo é, então, um sistema político nacional, baseado em barganhas entre o governo e os coronéis. O governo estadual garante, para baixo, o poder do coronel sobre seus dependentes e seus rivais, sobretudo cedendo-lhe o controle dos cargos públicos.É a fase de processo mais longo de relacionamento entre os fazendeiros e o governo. O coronelismo não existiu antes dessa fase e não existe depois dela. Ele morreu simbolicamente quando se deu a prisão dos grandes coronéis baianos, em 1930. Foi definitivamente enterrado em 1937, em seguida à implantação do Estado Novo e à derrubada de Flores da Cunha, o último dos grandes caudilhos gaúchos.
No coronelismo, definido por Leal, “o controle do cargo público é mais importante como instrumento de dominação do que como empreguismo. O emprego público adquire importância em si, como fonte de renda, exatamente quando o clientelismo cresce e decresce o coronelismo”. Em sua concepção, o coronelismo:
seria um momento particular do mandonismo, exatamente aquele em que os mandões começam a perder força e têm de recorrer ao governo. Mandonismo, segundo ele, sempre existiu. É uma característica do coronelismo, assim como o é o clientelismo. Ao referir-se ao trabalho de Eul-Soo Pang, que define coronelismo como exercício de poder absoluto, insiste: "não é, evidentemente, ao meu coronelismo que se refere", e continua: "não há uma palavra no meu livro pela qual se pudesse atribuir o status de senhor absoluto ao coronel, ou às expressões pessoais de mando do sistema coronelista". Mais ainda: "Em nenhum momento, repito, chamei o coronel de senhor absoluto" (idem:12-13; Pang, 1979).
É importante destacar aqui, que embora exista uma relação entre as caracteristicas do coronelismo e mandonismo estes vocábulos não sejam sinônimos como abordam alguns autores, mas divergentes entre si, como esclarece acima Leal.
Apesar do desaparecimento dos coronéis, podemos constatar que algumas de suas práticas se fazem presentes na cultura política do nosso país. A troca de favores entre chefes de partido e a compra de votos são dois claros exemplos de como o poder econômico e político ainda impedem a consolidação de princípios morais definidos nos processos eleitorais e na ação dos nossos representantes políticos.
Opondo-se ao coronelismo, nasce no seio da sociedade brasileira o desejo por um governo democrático. Aqui democracia e cidadania são entendidas sob o ponto de vista de Aline Néri Nobre, “termos de caráter histórico, pois constituem respostas aos conflitos, aos questionamentos e às próprias lutas políticas vividas por uma sociedade, portanto não são conceitos já estabelecidos e pré-determinados”. Veremos a seguir dois conceitos diferentes de democracia apresentados por alguns autores: a democracia representativa e a democracia participativa.
Na concepção de democracia representativa, segundo Schumpeter (1961, p.331) ”a democracia fica limitada ao processo eleitoral, tendo como núcleo central a competição entre as elites”. Para o autor, a democracia trata-se de um método político ou a democracia é compreendida como um método utilizado para tomar decisões, sendo uma competição livre, em que os candidatos disputam os votos que, por sua vez, também são livres.
Vejamos o que diz outro teórico que defende essa concepção de democracia, Dahl (2005, p.111) “a democracia representativa tem as funções de conferir influência política ao povo, garantir estabilidade política e até mesmo, impedir a manipulação demagógica de minorias por maiorias”. De forma sintetizada, na opinião dos autores, a democracia representativa, resume-se a participação da população no sistema eleitoral, na escolha de seus representantes, não existindo a preocupação com valores como justiça e igualdade, por exemplo. Como afirma Pateman (1992), “não há necessidade, portanto, de se ampliar à participação popular, observando, assim, uma rejeição das formas públicas de se discutir e de se argumentar em favor de práticas decisórias como o processo eleitoral”.
A democracia participativa, ao contrário da representativa, não se resume a participação do povo no processo eleitoral, pois as sociedades contemporâneas são formadas por distintos grupos humanos que lutam por seu espaço, principalmente com o crescimento dos Movimentos sociais a partir da década de 80, com o processo de redemocratização do Brasil. Destacam-se neste contexto, os movimentos homossexuais, feministas e ecológicos. Segundo Aline Néri, “esses estariam inseridos em movimentos pela ampliação do político, da cidadania; pela transformação de práticas dominantes e inserção na política de novos atores sociais até então excluídos”. Habermas (1992) define a democracia participativa “como prática social e não como método de constituição de governos”.
Etimologicamente o conceito de cidadania sempre esteve fortemente atrelado à noção de direitos e deveres, especialmente os direitos políticos, que permitem ao indivíduo intervir na direção dos negócios públicos do Estado, participando de modo direto ou indireto na formação do governo e na sua administração. Do ponto de vista histórico, O conceito de cidadania tem origem na Grécia clássica, sendo usado então para designar os direitos relativos ao cidadão, ou seja, o indivíduo que vivia na cidade e ali participava ativamente dos negócios e das decisões políticas. Cidadania, pressupunha, portanto, todas as implicações decorrentes de uma vida em sociedade. Ao longo da história o conceito de cidadania foi ampliado, passando a englobar um conjunto de valores sociais que determinam o conjunto de deveres e direitos de um cidadão. De acordo com Dagnino (2004, p.103), a chamada “nova cidadania” ou “cidadania ampliada” começou a ser formulada exatamente no contexto da redemocratização, da emergência dos movimentos sociais a partir do final da década de 70. De acordo com Aline Néri,
essa nova concepção de cidadania busca implementar um projeto de construção democrática, de transformação social, incorporando o papel das subjetividades, os diferentes sujeitos sociais, novos direitos, bem como a ampliação do espaço da política, impondo, portanto, um “laço constitutivo entre cultura e política” [...] E mais, a nova cidadania revaloriza os princípios da comunidade, igualdade, solidariedade e autonomia. (NOBRE, 209-226, 2007)
Como vimos anteriormente, durante um longo período a população se manteve distante das decisões importantes no campo político no Brasil. Muitos foram os fatores que justificam tal afirmação, dentre eles o sistema colonialista, os regimes fascistas, e a autoritarismo dos governos militares durante a ditadura. Contudo, com o processo de redemocratização do país, a ampliação do conceito de democracia e cidadania, que respondem as exigências dessa nova sociedade que surge a partir dos anos 80, intensifica-se a participação social de diversos grupos humanos e sociais na luta pela valorização da diferença e do direito a participação no cenário político, não apenas como eleitor, mas como cidadão que opina.
Embora atualmente, não tenhamos uma sociedade democrática no sentido real da palavra como afirmam muitos brasileiros insatisfeitos com o governo, podemos perceber que existe um grande avanço no que diz respeito à participação da sociedade civil nas decisões políticas em nosso país. Prova disso foi a criação de conselhos municipais, estaduais (em vários setores), ONGs, movimentos sociais, sindicatos, assembléias e os próprios meios de comunicação de massa, além de outras atividades que garantem a participação direta ou indireta da população.
Em síntese, é importante ressaltar, que toda teoria e/ou conceito sofre modificações ou ampliação de sentido ao longo do tempo, pois precisa responder aos novos questionamentos que surgem no seio da nova sociedade que se forma. Assim para compreender os conceitos aqui citados, e a organização política, social e cultura de nossa sociedade contemporânea, torna-se necessário uma analise dentro de uma concepção histórica.

Refências:

“Mandonismo, Coronelismo, Clientelismo: uma Discussão Conceitual - José Murilo de Carvalho. Disponivél em:
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0011-52581997000200003&script=sci_arttext
Acesso em 24 de outubro de 2009.
“Democracia, Cidadania e Participação Social: Uma estreita relação” – Aline Néri Nobre. Disponivel em:
http://www.revistas2.uepg.br/index.php/emancipacao/article/view/105/103
Acesso em 24 de outubro de 2009.
“ As Percepções sobre Democracia,Cidadania e Direitos”. Disponivel em:
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-62762004000200008&script=sci_arttext
Acesso em 24 de outubro de 2009.
“ Coronelismo” - Rainer Sousa. Disponivel em:
http://www.brasilescola.com/historiab/coronelismo.htm
Acesso em 25 de outubro de 2009.
“ Coronelismo”- Miriam Ilza Santana. Disponivel em:
http://www.infoescola.com/historia/coronelismo/
Acesso em 25 de outubro de 2009.

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