sexta-feira, 1 de outubro de 2010

A importância da compreensão do ensino de História durante o regime Militar, para a construção do conhecimento histórico

A importância da compreensão do ensino de História durante o regime Militar, para a construção do conhecimento histórico
Por: Lucival Santos

A presente dissertação trata-se de uma investigação a cerca do ensino de História na Educação Básica e no ensino superior, sobretudo, na formação de professores de História durante o período Militar (1964-1985) no Brasil. Busca-se como esse trabalho analisar as práticas pedagógicas utilizadas no ensino da dsiciplina nesse contexto e heranças ou resquícios que desempenham influências até os dias atuais.
Nessa perspectiva, esse trabalho é muito importante não apenas para nós acadêmicos do curso de História, mas para os docentes, historiadores e simpatizantes das Ciências Humanas em geral, pois faz uma reflexão a cerca da trajetória do ensino de História no Brasil. Pretendemos responder durante a dissertação algumas questões, tais como: Como se constituiu o ensino de História durante o período Militar? Quais fatores levaram a substituição da disciplina por Estudos Sociais e OSPB? Que cidadãos se buscavam formar?Por que foi implantada no curriculo escolar a disciplina Educação Moral e Civica ? Quais as preocupações com a formação do professor de História?Quais as ideologias do governo militar?, dentre outras inquietações que forem surgindo no desenvolvimento da pesquisa.
Para responder as esses questionamentos, retomaremos num enfoque histórico o conjunto de circunstâncias que antecederam o golpe militar de 64 e a repressão dos governos totalitários ao ensino de História, por seu teor crítico e das demais ciências humanas. Com a substituição da História enquanto disciplina escolar, pelos Estudos Socias no ensino de 1º Grau, há uma desvalorização da históriografia e das reflexões sobre a realidade, próprias do ensino de história, surge uma História factual voltada a ideais nacionalistas e a figura de heróis.
Vale ressaltar, que não pretendemos aqui julgar como bons ou ruins os métodos e práticas usados no ensino de História no contexto do regime militar, mas analisar as conseqüências destes para as atuais dificuldades encontradas pelos docentes da disciplina, em especial o fato dos alunos não gostarem das aulas de História, pela forma factual com foi trabalhada durante as décadas de 60 a 80, deixando resquícios nos métodos de ensino atuais. Para nortear a discussão apresentaremos opiniões de diferentes autores a respeito do tema.
Buscamos estabelecer uma comparação entre a prática do ensino de História no regime militar e o ensino atual, na perspectiva de perceber quais as semelhanças e diferenças existentes.
Essa pesquisa tem como objetivos, analisar as práticas pedagógicas desenvolvidas no ensino de História durante o Regime Militar e compreender as razões que levaram as reformas no ensino básico e superior , bem como reconhecer os legados deixados que influenciaram toda uma geração e ainda continuam sendo sentidos ataualmente. Assim, é essencial conhecer um pouco da história do ensino de História no Brasil, investigar a conjuntura histórica que antecedeu ao golpe militar, observar algumas mudanças ocorridas na formação dos professores de História durante a ditadura, perceber os interesses ideológicos do Estado Militar em manter sua hegemonia ao substituir a História por Estudos Sociais, analisar propostas do ensino de Estudos Sociais, EMC e OSPB, por fim reconhecer como as reestruturações no ensino de História, após a Ditadura processaram no ambiente escolar e acadêmico.
As discussões a cerca das transformações ocorridas no ensino de História durante o Regime Militar no Brasil, ocupa grande destaque no cenário historiográfico. Dentre os fatores responsáveis por tais mudanças, destaca-se a intervenção do Estado ou o desejo deste em manter sua hegemonia e segurança diante das transformações sociais ao longo deste período, preocupado com a forma com que o conhecimento histórico era transmitido à sociedade e as dimensões que este tomava.
Nesse contexto, essa preocupação que os governos tinham ou ainda têm, mas não demasiadamente como antes, em relação ao conhecimento histórico, é cultivado desde 1837, quando da criação do Colégio Pedro II e, no mesmo ano, a fundação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), quando firmou-se a História como área escolar obrigatória .
A década de 60 no Brasil, é marcada por significativas transformações, dentre elas destaca-se o momento em que depuseram o então presidente da república João Goulart que com as Reformas de Base poderia colocar em risco os interesses do empresariado, clero, classe média e alta, uma vez que dentre as propostas encontrava-se a reforma agrária que feria diretamente o direito a propriedade privada. “Em meio a crise que ocorria no mundo, tal fato despertou insegurança nos setores tradicionais da nossa sociedade, pois poderia colocar em risco a manutenção do sistema capitalista no Brasil”. (SILVA, 1978)
Segundo Skidmore (1988), “tornou-se necessário naquele momento, adequar todas as instâncias nacionais aos interesses da nova classe no poder para que o Regime Militar pudesse ser legitimado e não correr o risco de ser deposto”. Nesta perspectiva, foi criado um aparato governamental que restringia os direitos civis e políticos da população a fim de calar as possíveis vozes de contestação ao regime. É com esse pano de fundo que o governo estruturou e aprovou as reformas educacionais, sendo elas a Reforma Universitária (4.024/68) e a Reforma do 1º e 2º graus (5692/71)
[...] ao se revestir de legalidade [Lei 5.540/68 e do Decreto 464/69], possibilitou o completo aniquilamento, por parte do Estado de Segurança Nacional, do movimento social e político dos estudantes e de outros setores da sociedade civil. A ordem foi restabelecida mediante a centralização das decisões pelo Executivo, transformando a autonomia universitária em mera ficção, bem como pelo uso e abuso da repressão político-ideológica. A institucionalização das triagens ideológicas, a cassação de professores e alunos, a censura ao ensino, a subordinação direta dos reitores ao Presidente da República, as intervenções militares em instituições universitárias, o Decreto-lei 477/69 como extensão do AI-5 ao âmbito específico da educação e a criação de uma verdadeira polícia-política no interior das universidades, corporificada nas denominadas Assessorias de Segurança e Informações (ASI), atestam o avassalador controle exercido pelo Estado Militar sobre o Ensino (GERMANO, 1994, p. 133).

No entanto, foi sob os auspícios da ditadura que foram assinados os chamados “Acordos MEC/USAID”, sendo que técnicos da USAID(United States Agency for International Development) participaram diretamente na reorganização do sistema educacional brasileiro. Os acordos deram à USAID um poder de atuação em todos os níveis de ensino (primário, médio e superior), nos ramos acadêmico e profissional, no funcionamento do sistema educacional, através da reestruturação administrativa, no planejamento e treinamento de pessoal docente e técnico, e no controle do conteúdo geral do ensino através do controle da publicação e distribuição de livros técnicos e didáticos..
Foi a partir das orientações estabelecidas pelos acordos MEC-USAID e dos Relatórios do Grupo de Trabalho da Reforma Universitária e do Relatório Meira Matos, que foram realizadas as reformas educacionais sob a ditadura, culminadas com as Leis 5.540/68 e 5.692/71, sendo a primeira destinada ao Ensino Superior e a segunda aos Ensinos de Primeiro e Segundo Graus (o que hoje denominamos Ensino Fundamental e Médio, respectivamente).
Com a reestruturação do ensino, reestruturou-se os currículos das escolas de primeiro e segundo graus criando a disciplina de Educação Moral e Cívica e dando uma nova abordagem a disciplina de OSPB (Organização Social e Política do Brasil) com o objetivo de transmitir a ideologia calcada nos princípios da Segurança Nacional. Na universidade, foram criados os cursos de Licenciatura de curta duração em Estudos Sociais.
Transformaram as disciplinas de História e Geografia em Estudos Sociais, levando ao esvaziamento dos conteúdos, fazendo-os regredir ao método mnemônico, fazendo o aluno decorar datas, nomes e fatos importantes da nossa história com vistas ao desenvolvimento do nacionalismo, elemento importante na formação do indivíduo para a efetiva manutenção do regime instituído. (BRASIL/SEF., 1997, p. 25-26).
Quanto à estrutura do ensino, Saviani (2008) “destaca que o curso, por sua vez, se definia pelo currículo, entendido na prática como um elenco de disciplinas distribuídas, via regra, em três modalidades: obrigatórias, optativas e eletivas”.
Compartilhando da mesma idéia de Derneval Saviani sobre a formação do professor de História, isto é, da Licenciatura em Estudos Sociais, João Batista da Silveira ressalta que a história ensinada nas universidades e no ensino secundário continuava a seguir a falsa idéia de História evolutiva, verdade apenas para uma parte da população. Neste sentido, os conteúdos foram direcionados para um modelo propagandístico e cívico de educação em comum acordo com a política repressiva do governo militar, voltada aos interesses do sistema capitalista ou ao mundo do trabalho. “ Com a Reforma Universitária, Lei 5.540/68 e com a reforma do ensino de 1º e 2º Graus, Lei 5.692/71, a educação no Brasil passaria a se organizar segundo a cartilha ditada pelo capitalismo internacional” (SILVEIRA,p.106,2008).
Nesse contexto, para Paulo Hipolito, o currículo se apresenta como uma forma de relação de poder que coloca uma postura oficial. Ele traz uma seleção de conteúdos que constroem a imagem de um Estado aceitável pela sociedade.
Anos depois da Lei n. 5.692/71, em 1976, a portaria nº 790 é criada pelo Ministério da Educação, que determina que as aulas de Estudos Sociais para o 1º grau, só poderiam ser ministradas pelos próprios profissionais formados em Estudos Sociais. Paulo Hipolito chama a atenção, para a qualificação dos professores formados em Estudos Sociais, resaltando que estes saíam do curso com um conhecimento essencialmente global dos conteúdos a ser ensinado, ou seja, o professor ia para a sala de aula meio que despreparado, o que o levava a se ater unicamente nos livros didáticos em que, na época mais que hoje, constituíam uma forma mascarada da intervenção do Estado no processo de educação dos alunos.
De tal modo, a proposta metodologica para as séries iniciais e finais do Ensino de 1º e 2º graus, e da própria universidade estão voltadas para a tendência pedagógica Tradicional ou um ensino factual, que consiste em uma divulgação da história de reis, heróis e batalhas, redutoras do homem a categoria de objeto ínfimo no universo de monstros grandiosos que decidem o caminho da humanidade e o papel de cada um de nós. Do passado só se recordava dos fatos heróicos, a versão que engrandece.
A partir da década de 80 novas discussões a cerca do ensino de História,os métodos tradicionais de ensino foram questionados, buscando alternativas que levassem o aluno a construção do conhecimento histórico na sala de aula. Busca-se romper com métodos de ensino baseado na leitura de livros didáticos e incorporar o cinema, a música, a literatura no ensino de História como linguagens alternativas para se construir o conhecimento histórico. Na decáda de 90 surge a preocupação com a incorporação das Tecnologias da Informação tanto no curso de formação de professores quanto nas escolas de Nivel Fundamental e Médio.
Embora houve grande avanço na forma de se aprender e ensinar a História na escola e na universidade, esta mudança de perspectiva não atingiu de forma generalizada o ensino de História. Na escola a História tem permanecido distante do interesse dos alunos, presa as fórmulas prontas do discurso dos livros didáticos ou relegada a práticas esporádicas determinadas pelo calendário cívico. Os resquicios do ensino tradicional e factual ou legado da Ditadura como denomina Saviani, ainda estão presentes nas práticas de ensino atuais.
Concluindo, o regime militar disconfigura o papel da História, transformando-a em uma reprodutora de ideologias do Estado, o que implicou em um ensino factual, que deixou resquicios nos dias atuais, que precisam ser desconstruidos, para que a História possa desenvolver sua verdadeira função nos espaços de formação, seja na educação básica ou no ensino superior. Portanto, o tema aqui descutido é de suma importância para a construção do conhecimento histórico e compreensão da sociedade brasileira, pois aborda um contexto de grandes transformações na estrutura e objetivos da História enquanto ciência humana e social.

REFERÊNCIAS:

“História, cidadania e livros escolares de OSPB (1962-1964)”. Cleber Santos Vieira. Disponível em:
http://www.anpuh.uepg.br/xxiiisimposio/anais/textos/CLEBER%20SANTOS%20VIEIRA.pdf
“ O legado educacional do Regime Militar”. Derneval Saviani. Disponivel em: http://www.cedes.unicamp.br.
Acesso em outubro de 2009.
“História e Poder Político: Perspectivas para o Ensino de História Hoje”. Paulo Hipolito. Disponível em:
http://www.meuartigo.brasilescola.com/educacao/historia-poder-politico-perspectivas-para-ensino-historia-.htm
SILVEIRA, João Batista da. A política de formação de professores durante o regime civil-militar: A criação de Licenciatura curta em Estudos Sociais/ João Batista da Silveira. – Campinas: PUC – Campinas, 2008.

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