sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Implantação da Legalidade no Brasil: bases e contexto

Implantação da Legalidade no Brasil: bases e contexto
Autoria: Lucival Santos

Compreender como se deu o processo de implantação da Legalidade no Brasil, com a criação da Constituição, exige um mergulho na história do país. Sobretudo, no período em que antecede e o qual se concretiza tal fato. Portanto, faz-se necessário discutirmos aqui o Processo de Independência, o Sete de Setembro, os Conflitos Internos, a Assembléia Constituinte, a Carta Magna, bem como os interesses e a repercussão dessas leis para a sociedade.
A Independência do Brasil, não se deu de um dia para outro, pelo contrário, foi resultado de um longo processo de lutas entre brasileiros e portugueses. Relacionada com a guerra entre França e Inglaterra, o conflito entre Portugal e Brasil, significava para os brasileiros o rompimento dos laços políticos e administrativos com Portugal, existente há três séculos. Analisando o contexto, não seria uma contradição dizer que o país era independente politicamente sendo governado pelo português D Pedro?
Na luta pelo Estado Independente, a sociedade se dividiu em dois grupos políticos: o Partido Português e o Partido Brasileiro. Ambos diferenciavam-se apenas quanto o plano que faziam para o destino do país. O primeiro defendia a recolonização do Brasil e o segundo a independência. Em comum tinham o silêncio quanto ao modelo escravista e latifundiário e a defesa do sistema monárquico, bem como as condições socioeconômicas, isto é, eram formados pela elite aristocrata.
Oficialmente, o sete de setembro de 1822, data da proclamação da independência, iniciou um novo período da história brasileira, o Primeiro Império sob o governo de D.Pedro. Neste sentido, ficou clara a diferença do Brasil em relação aos demais países da América, no que se refere à independência. Nos Estados Unidos e os países de colonização espanhola, conseguidas com lutas e completo rompimento com as metrópoles, delas resultando regimes republicanos. Já no Brasil, se deu pela associação das elites nacionais, a aristocracia rural, com o príncipe português, organizando uma monarquia.
Vale ressaltar, que este aspecto permitiu que o Primeiro Reinado consolidasse a independência sob o predomínio da aristocracia, sem a participação da maioria da população brasileira. Contudo, com a coroação de D.Pedro em dezembro de 1822, oficializando o regime monárquico, seu reinado não foi tranqüilo, pois despertou insatisfação em grande parte do país.
Os conflitos internos, resultantes da não aceitação do autoritarismo imperial se espalharam pelas ruas das cidades brasileiras. Na verdade, o Primeiro Império foi um período de grande violência política. D. Pedro era um governante superautoritário, que não admitia críticas, perseguiu seus opositores políticos, fechou jornais e mandou prender e matar. Com tais ações, a impopularidade do imperador crescia cada vez mais, principalmente no interior de Minas Gerais, depois da morte em São Paulo do jornalista Líbero Badaró. Também no Nordeste, principalmente em Recife, Paraíba e Ceará, somados as dificuldades econômicas e os ideais revolucionários. Movimento separatista que ficou conhecido como Confederação do Equador.
Segundo o historiador Cláudio Vicentino, o primeiro país a dá reconhecimento externo do Brasil independente foram os Estados Unidos, pois este condenava uma intervenção européia recolonizadora na América, buscando reservar os promissores mercados latino-americanos para seus negócios. A Inglaterra economicamente interessada foi o próximo. Ao mesmo tempo em que era aliada de Portugal, serviu como mediadora junto às Cortes portuguesas que lutavam pela independência brasileira.
Com certeza o objetivo da Inglaterra ao ajudar o Brasil, com o empréstimo para pagar indenização a Portugal, tinha interesses diplomáticos, econômicos e comercias. Com a abertura dos portos e a renovação do tratado de 1810, a Inglaterra pagaria apenas 15% de tarifa alfandegária para comercializar seus produtos no país. Enquanto o Brasil pagava valor superior pela importação, sendo obrigado a recorrer a empréstimos freqüentes, estabelecendo dependência econômica em relação à Inglaterra. Nesse sentido, o Brasil não continuava dependente mudando apenas de dono, sendo agora colônia inglesa?
Uma vez independente, o Brasil necessitava criar seu Estado Imperial com suas próprias leis, poderes e governantes. Com a Revolução Francesa, surge uma idéia iluminista de que todos os países devem ter constituições, isto é, uma espécie de documento, um contrato entre governo e cidadão. Para criação da constituição brasileira do Estado Imperial, foi eleita uma Assembléia Constituinte, que se reuniu em 1823 composta por noventa deputados pertencentes a aristocracia(grandes proprietários de terra, membros da Igreja, juristas) sendo esta uma eleição indireta.
No mesmo ano, foi apresentado um Projeto de Constituição pelo deputado Antonio Carlos de Andrada, irmão de José Bonifácio para discussão entre os deputados, que destacava dois princípios básicos: o primeiro refere-se a subordinação do Poder Executivo ao Legislativo, ou seja, o Estado deveria ser controlado pela própria aristocracia rural. Isto prova que o imperador não poderia dissolver a Câmara dos Deputados e que as Forças Armadas estariam submetidas ao Legislativo, não ao imperador.
O segundo princípio foca a restrição de acesso à vida política nacional da maioria da população brasileira, pelo critério censitário, estabelecido para as eleições. Em outras palavras, o eleitor ou o candidato ao Legislativo teria de possuir altas rendas, conseguidas especialmente de atividades agrícolas. Sendo as rendas dos eleitores e candidatos calculadas pelo total de sua produção anual, que deveria equivaler à produção de alqueires de mandioca. Por este motivo ficou conhecida como Constituição da Mandioca.
Por outro lado, as idéias redigidas no projeto dos deputados nada agradaram ao imperador, pois limitava seu poder. Em resposta a Assembléia, ele redigiu uma carta, conhecida como Carta Magna, que diz o seguinte em um de seus parágrafos:” Enquanto não estiverem determinadas as atribuições que me devem competir como Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo deste Império,não assino nem faço executar decreto algum da Assembléia, que foi convocada com o primário fim de fazer a Constituição, e, segundo a qual, é que se deve proceder às leis regulamentares, depois dela ser por mim aceita...”. Contrário ao projeto, D. Pedro recorreu às forças militares que, sob seu comando, fechou a Constituinte em novembro de 1823. Muitos deputados foram presos e exilados, inclusive os irmãos Andrada.
O fechamento da Assembléia Constituinte provocou a reação dos representantes do Partido Brasileiro, grupo formado por grandes proprietários de terras e comerciantes do centro-sul, que tinham apoiado o processo de independência.
Para acalmar os ânimos, o imperador D.Pedro I nomeou um Conselho de Estado, formado por 10 membros de brasileiros natos, para ajudá-lo a redigir a Constituição no prazo de 40 dias. Concluído o trabalho, no dia 25 de março de 1824, D. Pedro outorgou à Primeira Constituição Brasileira, isto é, impôs a nova Constituição que entre outras coisas, determinava: uma monarquia hereditária, oficialização da religião católica, criação de um novo poder, o quarto poder chamado Moderador, que dava ao imperador o Absolutismo Constitucional, substituindo o projeto de Monarquia Constitucional.
De tal modo, estabeleceu-se no país com a Constituição o unitarismo, forma de governo que centraliza o poder na capital do Estado Nacional (Rio de Janeiro). Assim a capital teria plenos poderes sobre as outras províncias, portanto o dinheiro dos impostos pagos pelos gaúchos e pernambucanos, por exemplo, ia praticamente todo para o Rio de Janeiro. Por esse motivo, as leis elaboradas para as províncias não eram criadas pelos seus representantes locais, mas pela Assembléia Geral do Império.
É importante salientar, que não houve participação popular na elaboração das leis constitucionais do Império, bem como nas eleições dos representantes políticos, pois era um regime monarca, não republicano e democrático como nas outras ex-colônias do Novo Mundo.
Nessa perspectiva, fica fácil compreendermos porque hoje temos uma população analfabeta politicamente. Sem dúvida é uma herança histórico-cultural, resultante da exclusão durante anos da vida pública (sócio – política e econômica) sufocada por uma monarquia composta de uma elite esmagadora e gananciosa. Está enraizado na cultura brasileira, de um ponto de vista histórico a subordinação, o acomodismo, e a aceitação das imposições da elite sobre a camada popular mais pobre, restando à mesma apenas obedecer ao que lhe é imposto. Embora atualmente tenha sido grande a luta educacional para mudar essa realidade.
Etimologicamente falando, liberdade significa independência, livre-arbítrio, condição de que é livre para pensar, decidir e agir. Porém, não tem sido essa realidade que vivenciamos na prática em nossa sociedade desde a formação da Constituição brasileira até os dias atuais, pelo contrário sempre estivemos submissos a alguém, seja ao sistema, ao trabalho ou a nossa própria família.
De um ponto de vista crítico, sempre fomos vistos pelos representantes políticos, em especial na formação do Estado brasileiro como propriedades. Para eles somos bens ora materiais, ora intelectuais sobre os quais exercem direito de mandar ou moldar da forma que acharem conveniente, com exceções é claro. Apesar de em seus discursos pregarem a luta pela cidadania.
Entretanto, o que se entende por cidadania é a condição de cidadão, sendo este dotado do direito de pleno gozo dos seus direitos políticos e civis. Direitos esses que são assegurados num regime democrático, por isso negados durante todo período Imperial, por ser um regime monarca, absolutista.
Sobretudo, seria contraditório dizer que em um país de origem colonizadora fossem assegurados direitos políticos aos seus colonizados. Neste sentido, as leis também deviam ser impostas não discutidas ou elaboradas democraticamente, como de fato D. Pedro I as impôs.
Em suma, para que possamos construir uma sociedade democrática onde os indivíduos possam exercer de forma ativa sua cidadania, sendo livres para escolher de forma consciente seus representantes, participar da elaboração de leis, sejam elas federais, estaduais, municipais, de esferas particulares e/ou institucionais é preciso desconstruirrmos a idéia de que somos propriedades do estado. E construirmos a consciência de que somos sujeitos sociais, portanto dotados de direitos e deveres, responsáveis pelo desenvolvimento integral do nosso país, intervindo de forma ativa nos âmbitos políticos, sociais e culturais.

REFERÊNCIAS:


FAUSTO, Boris. Coleção História do Brasil: Império Vol. 08 e 09. DVD produzido pela TV Escola em parceria com o Ministério da Educação – Secretária de Educação a Distância.

VICENTINO, Cláudio. História Integrada 7ª Série: Os séculos XVIII e XIX. Págs. 104 a 124. São Paulo, Spcione, 1995.

SCHIMIDT, Mario Furley. Nova História Crítica 7ª Série. Págs. 120 a 130; 156 a 169. 2ª Ed.rev. e atual. São Paulo: Nova Geração, 2002.

UNIVERSIDADE NORTE DO PARANÀ. Modernidade, conceitos e valores. Erica Ramos Moimaz, Gleiton Luiz de Lima (Org.). Págs. 45 a 60. Londrina – Unopar, 2008.

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